segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A era da agressão

Recentemente, a propósito da estreia do seu DJANGO UNCHAINED, Quentin Tarantino atribuiu à violência presente nas suas obras um ideal catártico. Uma espécie de retribuição histórica atrasada, o castigo merecido entregue pelos justos; são os heróis transformados em anjos da vingança. Mas a valorização da violência como parte integrante do conteúdo - e não exclusivamente da forma - implica que se pague um preço pela sua utilização. E esse preço surge através da responsabilização.


Explorando essa noção de responsabilidade, Marco Ferreri - realizador meio esquecido, apesar de influente no panorama cinéfilo internacional - criou em 1969 a sua obra-prima, DILLINGER È MORTO, um filme tão inconsequente que só se encaixa no surrealismo. Ou melhor, que se encaixa em muitas correntes sem nunca, no entanto, deixar de pertencer à do inconsciente. Não será por acaso que a obra em questão é das mais complicadas de explicar a quem nunca a viu. Mas lá vai uma tentativa, quase em jeito de sinopse, do que se passa na fita de Ferreri: um designer industrial - Michel Piccoli, magistral como sempre - regressa a casa do trabalho para encontrar a mulher na cama com uma dor de cabeça. O jantar já está frio e o designer, descontente com o que tem pela frente, põe-se a preparar uma nova refeição. Ao vasculhar nas gavetas da cozinha encontra um revólver embrulhado em folhas de jornal; as parangonas referem-se à morte de Dillinger, gangster americano convertido em herói popular.

O que mais nos interessará para o entendimento do fenómeno em evidência - o da responsabilização do cineasta pela violência que exibe nas suas obras - será , no entanto, o anti-clímax de Dillinger è morto. O designer, após seduzir a empregada - e de ser seduzido por ela -, volta ao quarto. Aponta a arma - agora vermelha às pintinhas brancas - à cabeça e, depois de se olhar ao espelho, dispara várias vezes sobre a mulher adormecida. Houve quem relacionasse o uxoricídio com a tentativa do homem em purgar algo (a indolência) de dentro de si ou com a redução de todas as suas possibilidades à inexistência, ao zero-absoluto. Seja qual for o significado dado à cena, é unânime que a morte da esposa se traduz no rompimento dos laços mais íntimos que ligam o designer à sua existência burguesa. A violência surge, portanto, com um propósito identificável.

A mesma catarse é identificável nos filmes de Tarantino. Fará mais espécie, porventura, pela exposição que lhe é dada, pelo detalhe gráfico com que a brutalidade é mostrada ao espectador. E em década de massacres armados, a questão reveste-se de particular importância. A relação entre a violência exibida na tela e a perpetrada fora dela não será tão linear quanto isso, mas revela-se cada vez mais um elemento difícil de ignorar face à multiplicação dos incidentes. Talvez por isso se peça hoje mais do que nunca que os realizadores, argumentistas e produtores se responsabilizem pelos conteúdos que criam e que optem por rejeitar a violência puramente gratuita. São os limites da era da agressão.

António Tavares de Figueiredo

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