sábado, 15 de dezembro de 2012

Holy Motors (2012)

Sobre Leos Carax escreveu-se certa vez, numa crítica a Boy Meets Girl publicada no New York Times, que passava mais tempo na Cinemateca do que fora dela. Estávamos na década de 80 do século passado e o jovem realizador, à data com vinte e quatro anos, estreava-se nas longas-metragens com aquele objecto vagamente nostálgico, no qual facilmente se tropeçava em traços de Godard, Truffaut e de tanta outra gente ligada às Novas Vagas. Quase trinta anos volvidos - e treze sem dirigir features - encontra-se em HOLY MOTORS, a sua fita mais recente, o mesmo amor pelo Cinema que sempre o guiou. Um filme tão singular como este merece ser descodificado.

Carax, o próprio, acorda e abre uma porta escondida no papel de parede do seu quarto - uma floresta negra - que vai dar a uma sala de cinema. Dá de caras com uma audiência morta perante um filme de King Vidor. Será essa uma crítica à passividade do público face ao que lhe é regurgitado pelo projector? Ou será que o que se está prestes a ver é apenas um produto da imaginação do autor? O sentido dado a Holy Motors dependerá - e muito - da interpretação dessa sequência inicial, tão críptica quanto onírica.


Corta-se para uma mansão moderna donde sai Monsieur Oscar, um homem que é tudo e nada em simultâneo. A casa e a família que deixa para trás não serão as mesmas para as quais regressará de noite. Mas não nos adiantemos. Transportado numa limusina branca - tão parecida com a de Cronenberg em Cosmopolis -, Oscar desmultiplica-se em compromissos e metamorfoses que o levam a encarnar diversas personagens. Ao longo do dia ele é pedinte e banqueiro, novo e velho, homem e mulher, assassino e vítima. Regressa, inclusive, à figura de Monsieur Merde, a grotesca criatura de Tokyo!, profanador de campas com uma visão bastante sui generis do belo. Este conjunto de personas - todas Denis Lavant, sempre impressionante - contribui para a exaltação da representação como Arte, quer através da negação do Método, quer através do seu exagero à condição de vida.

As várias faces de Oscar recusam-lhe uma exclusivamente sua - não será só na presença de Edith Scob e na da sua máscara que aqui se encontra Les yeux sans visage, de Georges Franju -, a identidade. Tanto, que ele está cansado e já não acredita como dantes naquilo que faz, na «beleza do (seu) gesto». As várias transformações da personagem permitem a Carax saltar eficazmente entre géneros mantendo sempre o mesmo estilo idiossincrático, impondo ordem onde inicialmente se vê apenas anarquia narrativa. Discute-se o digital versus película, o futuro do Cinema e a interpretação como dimensão própria. Tudo inserido numa torrente imagética de carácter quase unicamente (masturbatório-)plástico que fascina, mas agrava o pensamento que se tem pela frente. Vá daí que também se veja Holy Motors como uma reflexão sobre si próprio e a 7ª Arte.

A estrutura imprevisível - tocando mesmo o semi-aleatório - favorece a sucessão de surpresas, pedindo e estimulando a atenção do espectador. Quando a tecnologia arcaica se prepara para dormir conclui-se que já não se querem máquinas visíveis. Nem todas as questões que coloca obtêm resposta - nem será nessa direcção que se procura mover -, mas quando um exercício tão habilidoso como Holy Motors surge fica a sensação que não se paga pelo destino, mas sim pela viagem. E que viagem, esta! O último Carax - a par dos seus antecessores, todos acima da média - sai daqui altamente recomendado e com promessa de revisão assim que o tempo o permita. Leva ainda nove câmaras na bagageira, que a décima perdeu-se na confusão.


Título Original: Holy Motors (Alemanha/França, 2012)
Realizador: Leos Carax
Argumento: Leos Carax
Intérpretes: Denis Lavant, Edith Scob, Eva Mendes, Kylie Minogue, Elise Lhomeau, Michel Piccoli
Fotografia: Caroline Champetier
Género: Drama, Ficção-Científica
Duração: 115 minutos




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