terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Cesare deve morire (2012)

Foi com este CESARE DEVE MORIRE que os irmãos Taviani foram a Berlim buscar o Urso de Ouro e o Prémio do Júri Ecuménico. E não sem mérito, acrescente-se. Num festival cujos prémios normalmente se revestem de consciência social - vejam-se, por exemplo, os galardões concedidos a Tropa de Elite em 2008 ou a La teta asustada no ano seguinte -, ignorando muitas vezes filmes superiormente executados, seria quase natural desconfiar à partida da qualidade desta obra. E estar-se-ia, pois, a cometer um erro gravíssimo e enorme injustiça, perante aquele que será, porventura, um dos objectos cinematográficos mais curiosos do ano.

Filmar Shakespeare - ou uma das suas peças - atribuindo-lhe subtexto político não constituirá novidade; ainda para mais tratando-se de Julius Caesar, obra que versa a morte de tiranos que tentam a usurpação do poder. Muito menos o será filmar o teatro como ponto de partida. Mas rumo aonde? Ora, à liberdade, aonde mais haveria de ser? Postas as questões pertinentes - e ainda serão algumas -, parte-se de uma produção teatral de prisão. Escolhe-se representar uma peça que tem algo de motim em si, um grito de revolta sem heróis nem vilões. As celas e o pátio servem de cenários para os ensaios - e na verdade filma-se mais dos ensaios do que da representação final - com os prisioneiros-actores a identificarem-se, amiúde, com as personagens que interpretam. Há uma relação próxima entre sujeito e objecto, uma transposição da ficção para o real.

É nesse cruzamento entre dimensões - a documental e a ficcional, a da liberdade e a do encarceramento - que os irmãos Taviani, herdeiros contemporâneos do neorrealismo italiano, encontram a sua maior virtude. Através de um equilíbrio estudado - evidente também pela fotografia e sonoplastia cuidadas - criam uma libertação dentro do próprio presídio. Não é por acaso que se começa pelo final da peça - pelas palmas, ovações e conseguinte re-encarceramento -, para depois o repetir no final do filme. Da sua natureza circular sobressai a monotonia do quotidiano dos actores-prisioneiros (às tantas invertem-se os termos), presos não só ao edifício, mas também aos seus próprios pensamentos. Quando se esperava que abrandassem, fruto dos seus oitenta anos, os irmãos Taviani entregam em Cesare deve morire uma das suas obras mais ambiciosas, produto inteligente e de incontestável engenho. Está alcançada a (fugaz) libertação.


Título Original: Cesare deve morire (Itália, 2012)
Realizador: Paolo Taviani, Vittorio Taviani
Argumento: Paolo Taviani, Vittorio Taviani (baseado na peça de William Shakespeare)
Intérpretes: Cosimo Rega, Salvatore Striano, Giovanni Arcuri, Antonio Frasca, Juan Dario Bonetti, Vincenzo Gallo, Rosario Majorana, Fabio Cavalli
Música: Giuliano Taviani, Carmelo Travia
Fotografia: Simone Zampagni
Género: Documentário, Drama
Duração: 76 minutos


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