sexta-feira, 18 de maio de 2012

El Artificio (2011), por António Tavares de Figueiredo e Wladimir Jr. Ribeiro

«El cine es (...) el artificio.»

Numa rara ocasião em que duas cabeças pensam mesmo melhor do que uma, os editores do Matinée Portuense decidiram juntar esforços para vos falar de El Artificio, a grande revelação do Fantasporto 2012. O filme que para muitos poderá ter passado despercebido revelou-se uma das mais recentes pérolas do cinema europeu, capaz de entreter, maravilhar e arrebatar quem o decidiu ver.

Quique (Enrique Belloch num papel semi-biográfico) é um realizador que se vê incapaz de realizar. Temendo estar a perder a sua sanidade, Quique pede ajuda a Marta (Maria Josep Peris), sua irmã, numa tentativa de se agarrar ao que lhe ainda é familiar. Marta aceita, na condição de contratarem um enfermeiro para a ajudar a cuidar de Quique. O escolhido é Amador (Paco Martínez Novell), um jovem enfermeiro pouco ligado ao mundo das artes, mas bem intencionado.  O trio de protagonistas vai ter de aprender a viver junto, num convívio nem sempre fácil, mas benéfico para todas as partes envolvidas,

Desengane-se quem pensa que El Artificio se fica pela sua camada superficial. O filme tem muito mais para oferecer do que aquilo que pode parecer à primeira vista. As referências cinematográficas, que vão aparecendo com alguma frequência na fita, e a exploração das várias dicotomias abordadas (cinema/teatro, irmão/irmã, loucura/lucidez) conferem à fita uma riqueza conceptual que se estende por várias camadas de filme. Contudo, o que torna este filme interessante torna-o também pesado e inacessível a grande parte do grande público: não é certo que toda a gente que o veja seja capaz de ultrapassar a superficialidade inicial da película, como também não é certo que todos consigam captar todas as referências cinematográficas presentes em El Artificio.

Filme que preste homenagem a All About Eve, Howard Hawks e Humphrey Bogart será quase sempre capaz de ganhar o coração dos membros desta humilde redacção. El Artificio é capaz de juntar a essas virtudes uma realização arrojada da parte de Jose Enrique March, um meticuloso trabalho de edição e uma fotografia com qualidade bem acima da média. Curiosamente, parte o elenco, com o próprio Belloch à cabeça, é constituída por actores com formação em teatro, o que se vai notando na maneira de abordarem o espaço e os diálogos. Nada de muito preocupante, mas mais um elemento estranho num filme já por si pouco convencional.

De filmes todos nós gostamos, de cinema já não será tanto assim. El Artificio aborda exactamente esse amor do realizador March, do actor Belloch e da personagem Quique pela 7ª arte, transformando-o em algo quase contagiante. Belloch, que à esporádica carreira de actor junta as de encenador teatral e realizador de cinema, diz que este é o seu projecto mais pessoal dentro do seu próprio universo cinematográfico. O resultado final traduz essa sua visão bastante pessoal sobre El Artificio, tornando-o um exercício de cinema muito especial. Mais do que cinema, esta é uma fita que almeja ao estatuto de cinema sobre cinema, honra reservada apenas aos melhores. A perfeição não é alcançada por pouco, talvez devido ao peso conferido à obra, mas no final isso pouco interessará: 30 anos depois de Pestañas Postizas, Enrique Belloch volta a ter um filme digno de culto dentro do panorama do cinema europeu, este por razões mais honrosas.


Título Original: El Artificio (Espanha, 2011)
Realizador: Jose Enrique March
Argumento: Pablo Peris
Intérpretes: Enrique Belloch, Paco Martínez Novell, Maria Josep Peris
Fotografia: Paco Belda
Género: Drama
Duração: 91 minutos




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